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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

OMISSÃO DE SOCORRO - ASPECTOS MÉDICO-HOSPITALARES

Elias Farah

                         O assunto está disposto no artigo 58 do Código de Ética Médica, pelo qual veda ao médico “deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em caso de urgência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de atendê-lo”. A vedação se aplica especialmente aos casos de recusa do médico em atender ao paciente ou hospital ou ser ele um profissional exclusivo na especialidade exigida.      
 
                        O Código Penal dispõe, no artigo 135, que ocorre o crime de omissão de socorro “deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desemparo ou em grave ou iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, socorro da autoridade pública.” É o chamado crime omissivo puro, de perigo e violação de uma obrigação jurídica de agir. A omissão é dolosa quando existe a vontade consciente ou manifesta de não dar assistência.
                        O perigo da omissão de socorro, sob  enfoque penal, cuida da vida e da saúde, isto é, quando posta em risco a pessoa física do periclitante. Mas, o dever de assistência, que pode ser direta ou indireta, é  limitado pela capacidade e possibilidade individual do  médico, ou da sua habilitação ou disponibilidade técnica do hospital. A lei não isenta do crime, a não ser para a dosagem da pena aplicável, o elemento subjetivo da omissão, como aquela fruto do medo, do egoísmo, da aflição ou comodismo.
 
                       O socorro deve ser imediato, sem dilação ou injustificada relutância. A pena é duplicada se da omissão resultar lesão; é triplicada se sobrevier a morte. A omissão do médico, por exemplo, poderá ser qualificado de um crime culposo omissivo, se, por negligência, em face da gravidade, confia a uma enfermeira a assistência do paciente.
 
                        Já enfrentamos casos cruciantes, quando consultado sobre a iminência da transfusão de sangue, o ato foi impedido pelo paciente, por ser adepto da seita “Testemunhas de Jeová” , para os quais o sangue de outrem é impuro, moralmente contaminado. Pessoalmente, opinamos pela transfusão, em face do risco de vida. A iniciativa arbitrária foi tomada sob o enfoque de que cumpre ao médico, por formação e mandamento, salvar a vida.  
 
                        O Conselho Federal de Medicina, em abordagem ética do caso, decidiu que “em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a seu Código de Ética, deverá observar a seguinte conduta: 1º - se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis. 2º - Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de consentimento do paciente ou de seus representantes.”
                         A omissão de socorro tem inúmeras facetas, porque não se aplica apenas na atividade médica Consitui uma nobre imposição da lei e um dever moral da sociedade civilizada. Juristas há que cognominam a omissão de socorro de “indolência culpável”. Na medicina o ilícito da omissão pode ocorrer se a recusa for por falta de recursos do paciente; da inexistência de convênio com sua instituição assistencial; ou porque está o médico de folga; ou por falta de pagamento de honorários; ou abandono, sem justa causa, do tratamento iniciada.
 
                        O legislador buscou, com o artigo 135 do Código Penal despertar e estimular o sentimento de solidariedade humana. O comportamento generalizado é, porém, é o individualismo, o de poupar-se do natural desconforto do socorro urgente. Mesmo sendo médico, não há de ser exigido do ser humano o heroismo demasiadamente perigoso em prol do próximo.
 
                        As leis penais tem por paradigma o  homo medius. A prestação dos serviços médicos deve estar dentro  também das limitações do que se espera do ser humano, com suas virtudes e defeitos. O empenho, a coragem,  altruismo, a piedade exigíveis dos médicos estão também enquadrados dentro da linha demarcada das suas possibilidades técnicas, científicas, no tempo e no espaço, e ausente qualquer risco. Além disso, incorremos no equívoco de deles exigir poderes extravagantes, ou de super-homens ou santo.
 

 

            ELIAS FARAH – Conselheiro Nato da ACSP; Conselheiro do IASP e do Conselho Diretor do CESA e Sócio Titular da Advocacia Elias Farah Advogados Associados em São Paulo

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